quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Unasul sem consenso: Colômbia se nega a detalhar acordo com EUA


Mesmo isolada, a Colômbia impediu a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) de chegar a um acordo geral de transparência sobre a cooperação militar de seus 12 sócios com países de fora da região. Após nove horas de discussões entre ministros de Defesa e chanceleres dos países da Unasul, a Colômbia negou-se a apresentar seu acordo com os Estados Unidos e resistia a conceder uma "garantia formal" de que tal pacto não resultará em agressões militares nos territórios vizinhos.
O encontro foi encerrado sem a conclusão de um documento para a construção de uma relação de confiança e com um grave impasse instalado na região.

A intransigência de Bogotá refletiu-se também em outro ponto: a notificação à Unasul de todos os acordos de cooperação nas áreas de defesa e de segurança. A delegação colombiana exigiu a inclusão de uma cláusula que previa a anuência dos países com quem os sul-americanos fizessem acordos. No atual caso, dos EUA.

"Essa cláusula era inaceitável", resumiu o chanceler brasileiro, Celso Amorim. "Esses dois pontos espelham a resistência da Colômbia a ter uma posição totalmente aberta e transparente com a região."

A apresentação do documento do acordo e o acesso de membros do Conselho de Defesa às bases colombianas que serão usadas pelos Estados Unidos foi um pedido dos presidentes da Unasul durante a Cúpula realizada no mês passado em Bariloche, na Argentina. "Se vocês estão dizendo que nos dão as garantias, por que não as escrevem?", questionou o chanceler brasileiro Celso Amorim durante o debate com os demais chanceleres.

O chanceler colombiano, Jaime Bermúdez, insistiu à imprensa que a o acordo de seu país com os EUA não foi tratado com o mesmo peso, na reunião, dos contratos de compras de armas - uma referência explícita aos que a Venezuela fechou com a Rússia e aos que o Brasil discutiu com a França.

Confrontado com a insistência do Brasil e da Venezuela para que Bogotá enviasse cópias de seu acordo aos países da região, o ministro colombiano da Defesa, Gabriel Silva, declarou que essa medida será tomada somente depois de o texto ser assinado.

Venezuela

O ministro de Defesa e vice-presidente venezuelano, Ramón Carrizález, declarou que a recusa de Bogotá em mostrar o acordo que será firmado com os Estados Unidos "causa preocupação".

"Não vimos nem letras grandes nem letras pequenas, e isso naturalmente gera preocupação sobre as verdadeiras cláusulas desse acordo", disse Carrizalez. "A Colômbia se nega a entregar a informação que daria uma linha de transparência e depois da transparência é que se podem gerar mecanismos de confiança."

Carrizáles afirmou ainda que seu governo está disposto a revelar aos demais países da região detalhes do acordo recém-firmado com a Rússia. "Não temos nenhum impedimento em mostrar à Unasul todos os detalhes, porque a confiança começa pela transparência", afirmou.

Em entrevista coletiva depois da reunião, o chanceler venezuelano, Nicolas Maduro, afirmou que "a Venezuela está se equipando para garantir a paz e para defender nosso petróleo, nosso gás", e que seu país tem a obrigação constitucional de se proteger.

Uma declaração da secretária americana de Estado, Hillary Clinton, que pediu que a Venezuela seja transparente em suas compras de armas, acirrou ainda mais os ânimos na capital equatoriana. Clinton disse que "é preciso adotar regras e mecanismos para garantir que as armas compradas não sejam desviadas para grupos rebeldes e organizações ilegais, como traficantes de drogas e outros grupos criminosos".

O chanceler venezuelano, Nicolás Maduro, reagiu afirmando que às declarações de Clinton "não tem base moral ou política", e que são precisamente os Estados Unidos que estão anunciando sete bases militares na América do Sul, em referência ao acordo entre Bogotá e Washington.

Já o chanceler boliviano, David Choquehuanca, acusou a Colômbia de assumir uma posição intransigente em Quito, sem esclarecer seu convênio com os Estados Unidos sobre as bases militares. "É lamentável que a Colômbia não queira oferecer garantias plenas e formais para a instalação das bases militares (...). Estamos em uma situação séria, em uma situação difícil...".

Segundo Choquehuanca, os outros onze países membros da Unasul chegaram a um acordo, enquanto a Colômbia "ficou isolada em alguns temas".

Isolamento

Além dos dois pontos centrais do acordo, a Colômbia rejeitou ainda a proposta da Venezuela de monitoramento da Unasul nas sete bases colombianas que receberão soldados e equipamentos americanos até 2019. Bermúdez e Gabriel Silva mostraram-se igualmente inflexíveis com relação à proposta, de autoria de Caracas, de que a Unasul assuma a condução do processo de paz na Colômbia.

O isolamento colombiano tornou-se evidente na constatação de Amorim de que o placar da reunião foi de "11 a 1". A Colômbia, nesses dois tópicos, não conseguiu nem mesmo o apoio de países menos refratários a seu acordo com os EUA, como Peru e Chile.

A saída diplomática ao impasse instalado estará em um eventual sucesso de consultas que serão realizadas pelo chanceler equatoriano, Fander Falconí. Uma das alternativas em estudo é a realização de um encontro de ministros em Nova York, à margem da abertura da Assembleia-geral das Nações Unidas, nos próximos dias 23 e 25.

Embora todas as 12 delegações tenham assinalado seu compromisso com o processo de integração da Unasul, a ausência de um acordo tende a engrossar o conflito entre os países andinos. A permanência das dúvidas e inseguranças sobre o acordo Colômbia-EUA tende a impulsionar ainda mais as medidas preventivas que países como a Venezuela vêm tomando.

Temendo uma investida militar norte-americana no continente, algumas nações vêm reforçando seu esquema de defesa, atitude classificada por alguns analistas como uma "corrida armamentista", mas que nada mais é do que uma forma de proteger o território e as riquezas de países vulneráveis ante o potencial bélico estadunidense.

Diplomatas venezuelanos defendiam, ao final do encontro, uma alteração no estatuto da Unasul pelos presidentes dos 12 países, de forma a permitir que as decisões sejam tomadas por maioria, e não mais por consenso.

Meia integração?

Apesar do sentimento geral de fracasso, o Equador – que ocupa a presidência da Unasul – destacou avanços de 70% na análise do documento proposto sobre medidas de confiança. "Na concretização destas medidas de confiança, existem dificuldades", admitiu o chanceler equatoriano, Falder Falconí.

Falconí disse que a Unasul, por enquanto, não se propôs convidar ao governo de Washington a uma reunião com a América do Sul, embora não descartou "em algum momento" fazê-lo para "aprofundar" nos detalhes do pacto com a Colômbia.

Segundo ele, a América do Sul deve seguir na briga para criar seus instrumentos de integração, que em matéria de Defesa e Segurança, se sustenta sobre as bases de mecanismos de confiança comunitários.